Nota: Esta é uma posta politicamente incorrecta. Não aconselhamos a sua leitura a pessoas sensíveis. Não temos livro de reclamações e disso podem queixar-se à DECO.
Uma das personagens do Porto por quem nutro especial antipatia é a ceguinha do túnel de S. Bento. O problema não é tanto a sua mão sempre estendida, a cantilena "dê uma esmola à ceguinha". O que me irrita nela é que, quando passa alguém que não resiste ao lamento e lhe larga uma moeda, a senhora invisual diz "deus lhe conserve os olhinhos". Deus lhe conserve os olhinhos? Mas o que ela quererá dizer com aquilo? Que aos restantes transeuntes sem moedas ou sem pachorra nada lhes dá o direito de conservar os olhinhos? É alguma praga que lhes roga? Este é um assunto particularmente sensível para mim, uma vez que um ouvidinho já lá foi à sua vida, deixando-me mouca como um tamanco. Desde então prezo muito os meus olhinhos isentos de dioptrias.
Há ainda outra coisa que me intriga na ceguinha: se numa semana se passa por ela e se lhe vêem as brancas própria da idade, já na semana a seguir as não tem, no seu cabelo apanhado, sempre perfeitamente pintado e penteado. Uma gaja repara nestas coisas, está-nos no sangue .
Eu suspeito que a ceguinha do túnel vai ao cabeleireiro mais vezes do que eu. É verdade que também não é difícil, que eu só vou cortar umas pontas lá à minha prima Teresa duas vezes por ano, alturas em que me ponho a par da vida da realeza europeia nos últimos meses, no meio de uma imensidão de Hollas atrasadas. É certo que a ceguinha tem direito a andar penteadinha. Eu até acho bem. Eu também tenho o direito de não contribuir com as minhas moedinhas. Nem sequer a troco de um "deus lhe conserve os olhinhos".
Agora que já me sinto a mais vil das gajas por denegrir a imagem de uma pedinte, não bato mais na ceguinha.
14 comentários:
Está muito bem escrito, querida gaja mouca. Cá em Braga também temos o nosso ceguinho na rua dos Capelistas e consta q tem mais dinheiro que todos nós juntos (não encontrei nenhuma metáfora apropriada, mas tem muito dinheiro!)...e a lengalenga...é do piorio "que Deus nunca tire os vossos olhos" numa voz cantada a sinistra, pelo menos não como a ceguinha do Porto, dirige-se a todos os transeuntes, mas não estará ele também a rogar uma praga? Invoca santos e santinhas e mais que Deus vos proteja e a minha infelicidade e tal...porquê que metem Deus na história!?
Em Viana,a senhora não é cega, mas esconde as moedas que vai amealhando na cesta debaixo de um paninho e assim lá vai acumulando mais umas moeditas...é uma boa técnica, podia era ser mais discreta.
Parece q todas as cidades têm de ter o seu pedinte profissional, provavelmente não serão aqueles q mais precisam porque esses não conseguem ter tanta lata como esta gente.
Gaja, não se sinta mal por "bater" na ceguinha, é um tema muito pertinente...a merecer estudo sociológico.
E já agora, detesto ir à cabeleireira (qualquer destes pedintes tem mais dinheiro do q eu, isso não me preocupa, mas não há necessidade de enganar o povo...já tanta gente o faz).
Finalmente, fui a uma reunião de familia e gaja piquena não estava! Vamos lá vêr se nos encontramos para a próxima...a pantera e o sinostro querem vêr a gaja, ok?
Ai tantos erros, piquena eu queria dizer sinistro. Os golos do Braga distraíram-me...eu até nem gosto de futebol, a culpa é do sinistro...
Sim, um post politicamente incorrecto da Gaja Deficiente Auditiva. É que já não se diz ceguinho ou cego, mas invisual.
Nesse túnel, quando eu era miúdo, miúdo mesmo, pululavam (gosto de pululavam...) pedintes. O mais carismático era um velho cego que tocava acordeão.
Carissima Gaja,
Depois de ler a sua posta, e somando a esta a minha experiência de vida é motivo para perguntar: Será que nos enganamos no nosso ramo de actividade?
Nos dias que passam tanto se fala em formação profissional, onde serão as acções de formação da área do peditório? Será financiado pela União Europeia?
Será que esta gente está inscrita na Segurança Social? E recibos? Passam recibos, dá para descontar no IRS como trabalho de caridade?
Tantas dúvidas...
HM, sou só parcialmente mouca e, para além disso, sei ler nos lábios. Nada me escapa!!
E ainda há aqueles que não o sendo, fazem-se passar por. Estou em crer que pelas ruas de Lisboa existem uns quantos assim...
Olhe irmã mouca, politicamente correcto ou não, sei bem ao que se refere: a ceguinha tenta manipular o receio dos que passam e a quem nada trágico aconteceu, para conseguir obter a sua moeda, quase como se isso fosse o garante para que tal não aconteça a quem ajudou...
Lembra as religiões com a sua técnica de intimidação pelo medo a Deus para vender pedaços do Céu.... Enfim.
Em primeiro lugar, um comentário ao rps que disse que dizer "ceguinha" é politicamente incorrecto. Não me parece mal se a própria interessada não diz "Dê uma esmolinha à invisualzinha". Se a ceguinha se chama a ela própria ceguinha, quem somos nós para lhe chamar outra coisa?
E já agora queria deixar aqui o meu testemunho. Eu, gaja manca, também não gosto muito dessa ceguinha. Uma vez, há alguns anos, estava eu a atravessar a passagem subterrânea de S. Bento, quando decidi exemplificar à amiga que me acompanhava que ladro bem. Sim, o que se pode dizer? Eu ladro bem e assumo-o. Pareço mesmo um daqueles bobis pequenos e irritantes. Pois bem, estava eu em pleno exercício da minha liberdade de ladrar quando essa ceguinha gritou alto e a bom som no túnel: "Ah, sua cadela badalhoca!"
Fiquei destroçada. Por um lado, porque foi o desmoronar da minha convicção de que o meu latido se podia realmente confundir com o de um cachorro; por outro porque não se chama cadela badalhoca a ninguém. Mesmo que se esteja a ladrar.
Olhe lá manca tenho a certeza que se em vez de termos um cão de curso, tívessemos uma cadela de curso, você levava a medalha sem d+uvida nenhuma... Apetecia-me fazer uma piada qualquer com a tradução para inglês da palavra cadela (bitch), mas falta-me inspiração.
Jinhos,
Mana tesoura
Piquena
A mim também me irrita profundamente a forma como, subtilmente, a mulher roga pragas a toda a gente. Ainda por cima a cantilena fica no ouvido. Sabes que a minha avó dá de comer ao Mantorras que é um cão, ao Joaquim que é um cão, ao Xavier que é um cão, a umas quantas gaivotas que todos os dias vão lá almoçar a casa, aos gatos da vizinhança, (que os donos pensam que se comem ração) e ao Camões que também é um gato mas é "ceguinho" de um olho, sendo que o restante é um lindo olho azul. Certo dia estava o Camões a miar, e eu pensei que a tradução seria alguma coisa do género: " dê comidinha ao ceguinho que só tem um olhinho, dê comidinha ao ceguinho que é tão pobrezinho..." isto com a entoação da cantilena da ceguinha de S. Bento.
Quanto ao cabelo, também eu, que sou uma gaja que repara, que sou, já notei que a senhora gasta as suas esmolinhas a cobrir as brancas. Acho isto tudo muito estranho! Hummm!!! Eu só espero que as pragas não resultem porque eu nunca lhe dei nenhuma esmolinha.
Obrigada, Mana Tesoura, por NÃO ter feito nenhuma piada acerca da minha pessoa com a palavra bitch. Fico-lhe muito agradecida.
isso é mais comigo...
Mais profissional do que a ceguinha, era o manquinho que também se espojava nas escadas do mesmo túnel, a gritar, sempre no mesmo tom:
- Deixai ficar a vossa esmola se vos for possível!
Também há um senhor que pede gentilmente um euro (sempre um euro) emprestado. Aposto que paga logo que possa...
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